Amai Os Vossos Inimigos Fazei Bem Aos Que Vos Odeiam
"Mas a vós, que isto ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; Bendizei os que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam." Lucas 6:27-28
Mishpatim é uma parte do estudo do Antigo Testamento que
expressa a vontade de Deus em construir uma sociedade humana, sobre os pilares
da justiça e do que é correto.
Essa era uma ideia em intima conexão com o que Deus esperava
com sua promessa a Abraão:
"Porque eu o tenho conhecido, e sei que ele há de ordenar a seus filhos e à sua casa depois dele, para que guardem o caminho do Senhor, para agir com justiça [tzedaka] e juízo [mishpat];" Gênesis 18:19
Assim, o estudo de mishpatim se refere ao conhecimento das
leis de Deus que foram dadas ao homem para promover o reino de Sua justiça.
Maimônides, no seu livro Guide for the Perplexed,
afirma que mishpat tem um conceito muito complexo.
É algo que denota "em
decidir em tomar certas atitudes em concordância com misericórdia ou
castigo".
Justiça, na visão bíblica, raramente é estritamente ou
rigidamente justiça.
A justiça Bíblica sempre vem acompanhada de compaixão e
humanidade.
Um grande exemplo está no texto de Êxodo 23:5. É um pequeno mandamento, rápido, curto, mas ainda assim
possui um significado de longo alcance e profundidade, como também beleza moral
admirável:
"Se vires o jumento, daquele que te odeia, caído debaixo da sua carga, não te desviarás deles. Certamente o ajudarás [תַּעֲזֹ֖ב taazab] a levantá-lo." Êxodo 23:5
Os Princípios do Amor ao Próximo
Há neste texto dois princípios sólidos no pensamento do
mundo da fé concernente aos conflitos do homem com seu semelhante.
O primeiro é
em relação ao bem do animal e da natureza em geral, que proíbe o Tza'ar
ba'alei chayim - impor sofrimento desnecessário sobre animais ou outras
criaturas vivas.
O segundo é ainda mais forte. Com efeito, o Êxodo está nos
dizendo que o nosso "potencial", ou "percebido" "inimigo"
é, como você, um ser humano.
O conflito, a discordância, pode até dividí-los,
porém há algo muito mais profundo que os une: A solidariedade.
Necessidade e dificuldade são elementos que podem
transcender a linguagem das diferenças. Não se pode deixar que o rancor ou a
animosidade impeçam de irmos em socorro daqueles que estão precisando de ajuda.
Se alguém está com problemas, ajude. Não fique se
perguntando se ele é amigo ou não. Se envolva, assim como Moisés se envolveu
quando viu que pastores da região de Midiã estavam maltratando as filhas de
Jetro.
"E o sacerdote de Midiã tinha sete filhas, as quais vieram tirar água, e encheram os bebedouros, para dar de beber ao rebanho de seu pai. Então vieram os pastores, e expulsaram-nas dali; Moisés, porém, levantou-se e defendeu-as, e deu de beber ao rebanho." Êxodo 2:16-17
E também como Abraão intercedeu pelos habitantes de Sodoma e
Gomorra, quando tomou ciência que seriam destruídos.
"Se porventura houver cinquenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinquenta justos que estão dentro dela?" Gênesis 18:24
Há muitas significâncias aqui. A primeira aparece do texto
que contém um mandamento semelhante, no livro de Deuteronômio:
"Se vires o jumento que é de teu irmão, ou o seu boi, caídos no caminho, não te desviarás deles; sem falta o ajudarás a levantá-los." Deuteronômio 22:4
Êxodo trata de "inimigos", Deuteronômio de amigos.
Sobre esses dois mandamentos, o Talmude declara:
"Se o animal de um amigo precisa de ajuda, e o do seu "inimigo" também necessita, você deve primeiro ajudar ao seu "inimigo"- para suprimir a inclinação para o mal".
Nestes casos apresentados, certamente ambos precisam de
ajuda. Mas no caso de um suposto ou potencial "inimigo" nosso, há
mais em jogo do que uma simples ajuda a um animal em dificuldade.
Há o desafio de superar as desavenças, distanciamento, e o
sentimento doentio da indiferença. Por isso a demanda por ajudar ao seu inimigo
tem preferência, na visão da Tradição Oral.
A frase "não te desviarás deles" parece
supérflua, mas de fato não é. Ela destaca que quando vemos o nosso
"inimigo", a primeira reação que temos é de passar por ele,
ignorando-o. Assim, "não te desviarás deles" é um mandamento
para suprimir essa má inclinação natural do ser humano.
Ainda mais interessante é analisar a frase "Certamente
o ajudarás [תַּעֲזֹ֖ב
taazab] a levantá-lo". A palavra "ajudarás", aqui é תַּעֲזֹ֖ב taazab que significa
ajudar, e também significa "liberar", "desprender", "libertação".
De forma que as traduções Aramaicas, tomam este texto
como "Certamente o liberarás", no sentido não somente do peso
físico da carga que leva, mas também certamente do desprendimento do rancor que
há no coração, em relação ao seu oponente.
Temos não só que liberar o peso físico, como também o peso
psicológico, a mágoa que fere a sociedade dos dias atuais. Nós devemos perdoar
os nossos inimigos, e ajudar uns aos outros, para construirmos uma sociedade
melhor.
É por isso que esse verso do Êxodo diz para ajudarmos os
nossos inimigos. Quando o seu inimigo estiver com problemas, ajude-o. É o que a
Torá está nos ensinando. Desta forma, parte do rancor poderá ser dissipado.
Quem sabe essa ajuda pode ser revertida em gratidão e
consequentemente em amizade? Esse é um modo prático de ir para além do conflito
e construir um relacionamento verdadeiro com nosso próximo.
Para ser mais específico, a Bíblia tem mandamentos para não
odiarmos os nossos adversários.
"Não abominarás o edomeu, pois é teu irmão; nem abominarás o egípcio, pois estrangeiro foste na sua terra." Deuteronômio 23:7
Estes dois, constituem o paradigma dos clássicos inimigos de
Israel. Os Edomitas são os descendentes de Esaú, rival de Jacó. Os
Egípcios escravizaram os Israelitas, e ainda assim Deus afirma que é proibido
odiá-los.
E é assim que é Mishpatim. Uma passagem que nos ensina a
responsabilidade moral de ajudar qualquer pessoa que esteja passando por
dificuldade, não importando qual seja o histórico de atitudes que essa pessoa
possa ter tomado contra você.
Há momentos em que temos que colocar as diferenças de lado,
e ajudar uns aos outros. As escrituras nos ensinam que mesmo pequenos e simples
gestos de cuidado, como a de ajudar um animal de um rival, podem transformar as
relações entre dois seres humanos.
Nós temos que lembrar que um herói de verdade não é aquele
que necessariamente derrota o seu inimigo, mas é aquele que consegue converter
seu inimigo em um amigo.
"Mas a vós, que isto ouvis, digo: Amai a vossos
inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; Bendizei os que vos maldizem, e orai
pelos que vos caluniam." Lucas 6:27-28
Autor: Israel do Nascimento Silva
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